Catarina Roseta Palma researcher from the Economics Group at the BRU-Iscte, gave an interview to EntreCampus about Sustainability in Latin American universities.


As universidades no México são enormes, com mais de 100 mil alunos cada uma, e têm de garantir o seu próprio abastecimento de água, tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos, e têm de fazê‑ lo dentro do campus universitário porque as cidades não têm capacidade para isso


Este é um projeto Erasmus+ realizado com várias universidades da América Latina. Qual foi o propósito?

O objetivo era alavancar as componentes da sustentabilidade nas universidades da América Latina. Criou‑se uma equipa europeia composta por três universidades com experiência nesta área e procurámos universidades que, na América Latina, quisessem trabalhar estes aspetos e trocar ideias connosco para melhorar o seu desempenho. O projeto QualEnv foi criado aqui no Iscte e envolveu dois centros de investigação: BRU-Iscte e ISTAR-Iscte. Naturalmente, a coordenação internacional do projeto foi do Iscte.

Quais são os objetivos concretos do projeto?

O projeto teve três objetivos específicos: o primeiro era reforçar as políticas de educação para a sustentabilidade, reconhecendo que um dos principais papéis da universidade é transmitir o conhecimento e mobilizar as competências da comunidade académica, para melhorar os diferentes aspetos da sustentabilidade.
O segundo aspeto era reduzir o impacto ambiental das universidades. Inicialmente isto foi difícil de comprovar, porque vivemos (em 2020 e 2021) dois anos muito atípicos. A ideia era ir comparando dados de consumo de água, energia, produção de resíduos e pegada de carbono ao longo do projeto, mas, depois de 2019, os dados deixaram de ser comparáveis. Acabámos por avaliar os dados de 2022, ano de regresso ao campus, face aos de 2019. Apurou‑se que, de facto, o esforço por parte das universidades durante o projeto se traduziu numa redução do seu impacto ambiental. O terceiro foco era reforçar as competências de gestão da qualidade ambiental em cada um dos campus. Temos no Iscte, desde 2008, um sistema de qualidade certificado e também, desde 2018, um sistema de gestão ambiental certificado. Isto é muito importante porque ajuda a garantir que há um processo que, ano após ano, vai sendo melhorado, porque há uma estrutura montada que vai acompanhando o processo. Apoiámos os nossos parceiros no sentido de criação dos seus sistemas de gestão ambiental. Esse processo correu muito bem e muitos dos nossos parceiros latino americanos estão, neste momento, a preparar a sua certificação ambiental.

Como é que se deu este encontro entre o Iscte e as outras universidades envolvidas?

A história é interessante. O Iscte não tinha muito desenvolvida, do ponto de vista institucional, esta vertente da sustentabilidade até que, em 2016, o reitor propôs que contratássemos apoio externo para o desenvolvimento dessa vertente. Tivemos um workshop organizado por um antigo aluno do Iscte, o Pedro Norton de Matos, que nos ajudou a começar a desenvolver alguns projetos, mas sentimos que precisávamos de algo mais estruturado e foi então que se fez a contratação da Universidade de Gotemburgo para nos apoiar. A consultoria dessa Universidade durou um ano e, no final, tínhamos um sistema de gestão ambiental que conseguimos imediatamente certificar com a norma ISO 14001.

O Iscte e essa universidade sueca começam então a trabalhar em conjunto?

Sim, em parceria com a Associação Columbus – que ajudou a montar o projeto com a Universidade de Gotemburgo em 2017. O Vasco Rato era, então, o nosso diretor de sustentabilidade e, depois da nossa experiência bem‑sucedida, houve reuniões com alguns parceiros da América Latina, criámos uma rede, fizemos uma candidatura a fundos europeus e ganhámos.
Candidatamo‑nos porque entendemos que seria exatamente este o tipo de projeto que podia ser interessante para transmitir as nossas experiências. Reunimos 14 universidades: três europeias e 11 universidades do Brasil, Colômbia, Costa Rica, México e Peru.
A terceira universidade europeia a participar, o Politécnico de Turim, trabalhava há algum tempo com os objetivos de desenvolvimento sustentável e entendeu‑se que era uma parte importante a juntar ao projeto para lhe dar uma visão mais alargada. O grande foco do Erasmus+ é capacity building, dar competências, e foi isso que se fez ao longo do projeto.

Como é que se desenrolou o projeto, havendo realidades bem diferentes?

Aprendemos muito neste processo, mesmo com projetos que já existiam. Algumas universidades parceiras têm edifícios muito melhores do que os nossos, em termos de gestão ambiental. São edifícios mais jovens, concluídos nos últimos anos, com as melhores certificações de eficiência, como a verificação LEED, que nem nós, nem a universidade de Gotemburgo, temos. Por outro lado, os parceiros faziam já muitas ações de voluntariado com os alunos, ao nível de intervenções nos bairros pobres, de limpeza nas praias, na realização de eventos sobre sustentabilidade.
Outro exemplo: as universidades no México são enormes, com mais de 100 mil alunos cada uma, e têm de garantir o seu próprio abastecimento de água, tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos e têm de fazê‑lo dentro do campus universitário porque as cidades não têm capacidade para isso. Os resíduos são recolhidos, separados e geridos dentro dos campi universitários dos nossos parceiros no México, na Colômbia e também no Brasil. Se esse material fosse para contentores normais não seria possível garantir a recolha e tratamento adequados.
Portanto, a realidade sul‑americana é completamente diferente da europeia. São países que não têm tanto apoio em termos de serviços públicos. Outro exemplo é o dos transportes. As universidades latino‑americanas acabam por ir mais longe do que nós, na Europa. Há também uma grande preocupação com a eficiência energética, eficiência hídrica, ventilação natural, com espaços de saúde e de bem‑estar para os estudantes, que as universidades da Europa não tinham, até porque os nossos campi são mais antigos.


Aprendemos que institucionalizar a sustentabilidade na gestão de campus é muito importante. Se não tivermos uma estrutura na própria universidade é muito difícil manter as atividades e o nível de interesse


Sendo um projeto transnacional de que forma o confinamento afetou a sua progressão? Inicialmente este era um projeto de muita interação, tinha sido pensado para aprendermos uns com os outros, visitarmos os campi. O projeto começa em janeiro de 2020 e, de repente, em março, vamos todos para casa. Quando fizemos o relatório intermédio em 2021, devido à pandemia, havia muita coisa em que não tínhamos avançado. Felizmente o ano de 2022 foi muito produtivo. E, a meu ver, concluímos com grande êxito.

A conferência final do projeto foi no Brasil, no Rio Grande do Sul. O que fica desta experiência e que tenha inspirado o Iscte?

Houve coisas que nós copiamos, por exemplo, a Rota dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) que o gabinete de Sustentabilidade fez no Iscte – foi uma ideia que retirámos dos nossos parceiros da Uninorte (Colômbia), que já tinha isso no campus. Achámos a ideia tão gira e é algo que se consegue sem grande custo, pois já temos as coisas a acontecerem aqui. Há um lugar para cada ODS nos nossos campi e podemos ir com os alunos por esses marcos – fiz isso numa cadeira de competências transversais – explicando cada ODS. Houve outro parceiro colombiano (Unisabana) que fez um trabalho muito bom em visualização de indicadores. As visitas aos parceiros foram todas muito inspiradoras, especialmente porque muitos deles têm campi em zonas verdes (alguns fazem mesmo a gestão de áreas naturais protegidas).

Em que medida é que esta linha de investigação pode ser continuada aqui, com eventuais novos parceiros?

Acredito que é uma linha de investigação que tem interesse em ser continuada. Aliás, no SocioDigital Lab existe uma linha temática com vários departamentos, precisamente para a parte dos territórios regenerativos e neutralidade. É uma das linhas que o Iscte pretende desenvolver nos próximos anos.

Os desafios que são colocados a projetos transnacionais prendemse também com o entrosamento que se consegue entre as equipas. Como foi neste caso?

Funcionou muito melhor do que pensávamos inicialmente e curiosamente até por causa da pandemia. Tínhamos previsto reuniões de coordenação trimestrais, online, mas como tivemos de passar todas as atividades para o online decidimos que íamos fazer reuniões mensais, alargadas – não apenas entre os coordenadores. Havia dois ou três membros de cada parceiro nessa reunião mensal, fazíamos muitos workshops internos do projeto, uns apresentavam o que estavam a fazer, outros davam sugestões e, portanto, entre o encontro presencial inicial aqui no Iscte e depois o encontro da Costa Rica em 2022, sentimos que tínhamos forjado uma relação de amizade que transcendia o nosso trabalho. Desenvolveram‑se relações de trabalho e proximidade muito positivas. Do projeto resultaram também coisas muito giras. No Peru, na universidade de Lima, alguns estudantes desenvolveram uma aplicação sobre os ODS que nos guia pelo campus e faz ganhar pontos. Na UniSul, no Brasil desenvolveram‑ se projetos de “inovação frugal”: pequenas inovações que fazem diferença na vida das comunidades.

Quais as recomendações e evidências produzidas pelo QualEnv – Change the Climate: Assuring the Quality of Environmental Strategies in LatinAmerican Higher Education?

Preparámos um curso online sobre a mudança comportamental para a sustentabilidade, que vai ser oferecido gratuitamente no portal da Universidade de Costa Rica, em espanhol (https://global. ucr.ac.cr/login/index.php).
Aprendemos que institucionalizar a sustentabilidade na gestão de campus é muito importante. Se não tivermos uma estrutura na própria universidade é muito difícil manter as atividades e o nível de interesse. No âmbito do projeto, em todas as universidades foram criados comités de sustentabilidade e neste momento todos os parceiros têm uma política de sustentabilidade, com reports responsáveis e plano de atividades. Isso é um impacto do projeto que fica para o futuro.
Todas as universidades criaram também planos estratégicos de educação para a sustentabilidade, aprovados pelas suas instâncias máximas. Fizemos um esforço para integrar a educação para a sustentabilidade na política de sustentabilidade da universidade – não são duas coisas separadas. Creio que quanto mais integrarmos a sustentabilidade numa universidade, na parte do ensino, do campus, do outreach (extensão universitária), mais reforçado será o resultado final.
Outro aspeto a salientar é que esta foi (para mim) a primeira vez que, num projeto, houve funcionários e investigadores a trabalhar diretamente juntos. Tivemos três funcionárias do Iscte no projeto, o que permitiu a integração dos serviços do Iscte, além dos centros de investigação. Isso traz muitas sinergias e é um grande ensinamento de parte a parte; aliás, isto também aconteceu nas universidades parceiras e foi um dos aspetos destacados como mais positivos. Juntos conseguimos fazer mais.